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Projeto do Visgraf une realidade virtual, cinema e teatro

Karine Rodrigues

Noite de quinta-feira no Rio, 15 minutos antes do início de “The Tempest”, de William Shakespeare, a área em frente ao auditório está fervilhando. Cineastas, músicos, roteiristas de TV, coreógrafos e diretores artísticos conversam enquanto aguardam a abertura da sala. Nada incomum na cena cultural, não fosse pelo fato de o espetáculo ser no IMPA.

À primeira vista, o espaço pode parecer inusitado para uma encenação artística. Mas, exatamente por produzir pesquisa de excelência em Matemática pura e aplicada, é compreensível que seja cenário de algo tão inovador como um experimento que quer ultrapassar os limites do possível em teatro e realidade virtual.

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O espetáculo foi criado por pesquisadores do Laboratório Visgraf (Vision and Graphics), do IMPA, em parceria com um grupo de profissionais de artes cênicas. Reúne performance teatral, cinema, tecnologia de jogos e de realidade virtual. A multidisciplinaridade, aliás, move o laboratório, surgido em 1989 para realizar pesquisas em computação gráfica. Na coordenação, Luiz Velho, formado em design e computação gráfica e pesquisador titular do IMPA.

No auditório de cem lugares praticamente lotado, a plateia não sabe exatamente o que esperar. Antropólogo, roteirista de TV e pesquisador musical, Hermano Vianna pensa no mal estar que os óculos de realidade virtual lhe causarão – a mágica da imersão em 3D tem o seu preço…. Respira aliviado quando Luiz Velho esclarece que o equipamento será usado pelos atores, não pelos convidados.

Durante cerca de 20 minutos, são exibidos na tela três trechos da peça escrita pelo dramaturgo inglês entre 1610 e 1611. Conta a história de Próspero, que perdeu o título de Duque de Milão ao ser traído pelo irmão, Antônio. Isolado em uma ilha, com a filha Miranda e seu assistente, o espírito Ariel, usa seus poderes mágicos para produzir uma tempestade no mar e fazer naufragar o navio onde estava Antônio.

O que se vê no telão são avatares, figuras inteiramente digitais criadas a partir de três atores – Helena Varvaki (no papel de Próspera, versão feminina de Próspero), Daniela  Salles Abreu (Miranda) e Rick Yates (Ariel) – que estão em duas salas situadas em outro andar do IMPA e atuam em um ambiente tridimensional usando equipamentos de realidade virtual. A ação, bom que se diga, é ao vivo.

Quando a exibição chega ao fim, a equipe do espetáculo se reúne em frente à plateia para trocar ideias sobre o experimento. Helena revela ao público quão difícil foi se adaptar ao equipamento de realidade virtual. E a peculiaridade de atuar em outra dimensão.

“Dei muito trabalho para toda a equipe técnica. Ficava muito perturbada quando mexiam com a minha cabeça”, confessa a atriz, destacando que, apesar do estranhamento, a imersão no mundo da realidade virtual é muito instigante.

Diretor do espetáculo, Manoel Prazeres explica o processo: “O que os atores veem quando estão atuando não é o que a gente vê no telão. Eles estão em um ambiente tridimensional. Eles estendem a mão e veem, na verdade, a mão do avatar deles”, detalha, acrescentando que o equipamento captura o movimento do corpo e a voz do ator, que dá vida ao avatar.

Prazeres, que também é bacharel em Matemática, trabalhou como desenvolvedor de software e depois migrou para as artes cênicas, observa que, dentro da realidade virtual, o ator precisa de outras formas de se expressar. Ele teve que aprender a dominar a tecnologia. Como tudo ocorre ao vivo, precisa selecionar as câmeras em tempo real. É como se estivesse contracenando com os atores.

As perguntas vão pipocando no auditório. Diretora artística da SuperUber, estúdio criativo com atuação internacional nas áreas de cultural, design e entretenimento, Liana Brazil quer mais detalhes sobre os níveis de captação dos movimentos do corpo. Alguém cita a estranheza causada pelo uso de máscara no avatar, logo justificado como recurso para ocultar os olhos imóveis – os óculos de realidade virtual impedem o rastreamento desses movimentos.

Luiz Velho explica que o experimento é resultado de um projeto de pesquisa iniciado há nove meses e une teatro e VR Kino (tecnologia de realidade virtual). “É a primeira vez em que atores, usando realidade virtual, estão totalmente imersos em um cenário virtual e sua performance é exibida ao vivo para o público em uma tela de cinema, como computação gráfica em tempo real, sob o controle interativo de um diretor.” 

O designer Hans Donner pede o microfone. Recorda o tempo em que, no início dos anos 80, trabalhou com Luiz Velho na Rede Globo, dando os primeiros passos na área de computação gráfica. “Isso aqui é impressionante!”, diz, perguntando quanto é preciso investir, em termos de tempo e dinheiro, para que a tecnologia desenvolvida seja capaz de rastrear o movimento do corpo de forma perfeita.  

“Tem que ter paciência. Se a gente esperar, isso tudo não vai ser caro”, responde Velho, destacando que o importante no trabalho apresentado é que a tecnologia está a serviço da arte. “A criatividade é que faz essa coisa funcionar. O importante é o trabalho artístico. Podemos explorar muitas possibilidades que ainda não existem. É preciso se ater à ferramenta em si, como forma de comunicação, entretenimento e com tudo o que ela vai trazer no futuro.”

É a deixa para a cineasta Sandra Kogut destacar como o experimento possibilita o surgimento de novas narrativas. “Fiquei muito curiosa”, diz, considerando que o espetáculo começou logo pelo mais difícil, uma espécie de subversão de linguagens tradicionais. “No teatro, a sensação mais aguda é ter uma pessoa na sua frente. E no cinema você acredita no que está vendo.”

Luiz Velho explica, então, a importância da inovação e conta que vai submeter dois trabalhos com base no “The Tempest” à maior conferência mundial de computação gráfica e interatividade, o Siggraph.  

Na saída do auditório, Hermano Vianna comenta quão interessante é contracenar com máquina, estar dentro do mundo dela e em tempo real, como mostrou o experimento. “É um teatro profissional, você vê a atuação do avatar no telão, mas as pessoas estão em outros lugares. E tudo ao mesmo tempo. Podia dar tudo errado. Nessas experiências ao vivo, já vi dar errado nas empresas mais poderosas”, observa.

A ideia de apresentar “The Tempest” para um público especializado surgiu da necessidade de uma troca com expertises da área, considerando a multidisciplinaridade do projeto. Tanto que, na plateia, estavam, entre outros, Lucia Modesto, supervisora de efeitos visuais da TV Globo; Rosa Maria Araujo, presidente do Museu da Imagem e do Som (MIS); Analivia Cordeiro, coreógrafa; a designer Eliane Jobim e o músico Paulo Jobim; e Carlos Gradim, presidente do Museu de Arte do Rio (MAR).

Além da equipe do Visgraf – Leo Carvalho (direção técnica), Djalma Lucio (desenvolvimento de sistema), Julia Gianella (pesquisa e designer) e Vitor Rolla (pesquisa e sonoplastia) –, o espetáculo foi produzido por Affonso Beato (cinematografia virtual e iluminação) e Eduardo Cronemberg (máscaras e figurino).

Nesta quinta-feira, às 15h30, no auditório 3 do IMPA, Luiz Velho e Manoel Prazeres vão detalhar a tecnologia utilizada no seminário “Making The Tempest: a glimpse into Shakespeare´s magic”. Diante do que já foi feito e do debate realizado após a exibição, novos experimentos hão de surgir a partir do “The Tempest”. A inovação brasileira agradece.

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