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No Blog Ciência & Matemática, estratégias para frear a Covid-19

Foto: Agência Brasil

Reprodução do blog do IMPA Ciência & Matemática, de O Globo, coordenado por Claudio Landim

Ricardo Takahashi, Professor Titular do Instituto de Ciências Exatas, UFMG

Durante este período em que a sociedade tem sido obrigada a buscar formas de lidar com a pandemia da COVID-19, diversos gestores públicos têm se surpreendido com o que parece ser um comportamento muito estranho da doença: em um momento, os hospitais estão com taxa de ocupação tranquila, com 50% de vagas, e menos de uma semana depois estão lotados, sem capacidade de receber nenhum paciente a mais. Nesse momento, novas pessoas com quadros graves da doença simplesmente não recebem tratamento.

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Meu objetivo hoje é o de mostrar que esse comportamento da COVID-19 não tem nada de misterioso, pelo contrário. Ele surge porque essa doença tem uma característica matemática que outras coisas corriqueiras que conhecemos também têm: uma dinâmica com atraso de tempo. Um exemplo familiar para muitos de nós é o chuveiro com aquecedor de tambor – aquele chuveiro em que duas torneiras, uma de água fria (vinda da caixa d’água) e outra de água quente (vinda do tambor aquecedor), servem para controlar a temperatura do banho. Quem não está acostumado a usá-lo normalmente toma um susto na primeira vez em que usa: ao abrir a torneira quente, a água que sai da ducha é fria. A pessoa então abre mais a torneira quente, e a água continua saindo fria. Abre ao máximo a torneira quente e fecha completamente a torneira fria, e o que continua vindo é água fria, até que a água quente finalmente chega, e o jato de água que aparece vem fervendo. Nesse momento, o infeliz banhista tenta fechar a torneira quente e abrir a fria. Continua o fluxo de água fervente por um bom tempo, enquanto nosso banhista fecha mais e mais a água quente, e abre a água fria. É claro que daí a pouco aparece o efeito disso: o jato d’água subitamente deixa de ser de água fervente, e volta a ser de água gelada… Esse atraso de tempo entre o comando (abrir ou fechar uma torneira) e o seu efeito (a temperatura da água do banho) engana o banhista, levando-o a provocar uma grande oscilação na temperatura da água, que ficará mudando de fervente para gelada e vice-versa até ele perceber que tem de levar em conta tal atraso para calcular suas ações.

A COVID-19 tem características semelhantes a esse chuveiro. Entre o momento em que uma pessoa fica exposta ao vírus, contraindo a infecção, e o momento em que começam a aparecer os sintomas, tipicamente decorrem três dias. Depois, entre o momento em que os sintomas aparecem e o momento em que eles se agravam suficientemente para que seja necessária a internação do paciente, passam-se em média mais sete dias. Há, portanto, um atraso de cerca de dez dias entre o momento em que uma pessoa contrai a infecção e o momento em que ela irá ocupar um leito hospitalar. O exemplo do banhista às voltas com o chuveiro ilustra o que irá ocorrer com a epidemia da COVID-19 caso os gestores não levem em conta esse atraso ao agir.

Os acontecimentos trágicos na região da Lombardia, na Itália, ilustram bem o que pode ocorrer. Quando a epidemia começou a circular por lá, as autoridades permaneceram afirmando que estava tudo sob controle até que, por volta de 10 de março, os hospitais começaram a ficar saturados. O governo então decretou um lockdown tardio. Vamos traçar uma linha do tempo para entender o que aconteceu:

  • 21 de fevereiro: 19 pessoas haviam tido confirmação da doença na Itália.

  • 02 de março: Com o número de pessoas infectadas crescendo exponencialmente, nessa data existiam pouco mais de 2000 pessoas infectadas diagnosticadas. Nesse momento, essas pessoas ainda não precisavam de internação hospitalar.

  • 12 de março: Das cerca de 2000 pessoas infectadas dez dias antes, cerca de 20% (400 pessoas) desenvolveram sintomas severos, e procuraram o sistema de saúde. Com esse número de pacientes aparecendo subitamente, a ocupação dos hospitais começou a preocupar. O governo então decidiu que era hora de começar a controlar a epidemia, e decretou o lockdown. No entanto, como a epidemia havia continuado a crescer até essa data sem que nenhuma providência fosse tomada, a essa altura já existiam mais de 15.000 pessoas infectadas diagnosticadas.

  • 22 de março: O número de novos casos diários diagnosticados da doença parou de aumentar desde o dia seguinte ao início do lockdown. No entanto, as pessoas que já haviam sido contaminadas anteriormente continuaram com a evolução dos sintomas da doença, e o número de pacientes procurando os hospitais continuou a crescer a cada dia. Das 15.000 pessoas que estavam infectadas dez dias antes, cerca de 3000 desenvolveram sintomas severos e passaram a procurar o sistema de saúde, que já estava sobrecarregado. Esse era apenas o início do colapso do sistema de hospitais na Itália.

Diversos dos “protocolos de flexibilização” que vêm sendo divulgados por prefeituras municipais e governos estaduais em nosso país têm, como principal indicador das ações, o monitoramento da taxa de ocupação de leitos hospitalares. Mas, como vimos acima, a ideia ingênua de que seria possível contar os leitos vagos existentes nos hospitais e adotar medidas de contenção quando estes estiverem próximos de se esgotarem pode ser bastante perigosa.

Mas o que pode ser feito então? Existe algum jeito seguro de não ficarmos todos em uma quarentena que vá durar um ano ou mais? A resposta é: tem jeito sim. Há algumas alternativas razoáveis, que dependem de que o gestor esteja disposto a utilizar conhecimento para guiar suas ações. Falarei aqui de três possibilidades que são fáceis de explicar:

  • É possível operar a flexibilização com bastante cautela, abrindo poucas atividades de cada vez, e aguardando duas semanas antes de dar o passo seguinte, que só será dado se os hospitais tiverem ocupação estável. Isso é exatamente o que faz o banhista depois que ele aprende como funciona o chuveiro: abre a torneira devagar, e espera para ver a temperatura da água mudar antes de mexer de novo.

  • O grande problema da alternativa anterior é a demora para que os passos sejam dados. No entanto, como vimos, essa demora decorre de se medir o efeito da flexibilização pela observação da ocupação de leitos. Isso faz com que seja necessário esperar o intervalo entre o momento em que há um aumento do número de infecções e o momento em que as pessoas infectadas são internadas. Há uma maneira inteligente de reduzir esse atraso: ao invés de contar o número de leitos ocupados, passamos a contar o número de novas pessoas infectadas. Para isso, basta fazer o teste para a COVID-19 assim que as pessoas começarem a apresentar sintomas, ao invés de aguardar até que estejam em estado grave. O atraso para que seja possível começar a medir o efeito de uma medida de flexibilização assim diminui de cerca de dez dias para cerca de três dias. Há a vantagem adicional de que se torna possível cuidar das pessoas, em muitos casos evitando o agravamento do quadro.

Para ler o texto na íntegra acesse o site do jornal

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